20 de setembro de 2014

In Memoriam

Cecília agora tem seus oitenta e poucos anos e o que restou de sua mocidade foi o seu diário, que guarda os seus mais valiosos segredos. Nele estão escritos seus melhores momentos: seus riscos, as mentiras - e verdades - que cometeu... Sua vida.

Cada vez que abre e, com muita dificuldade, começa a ler o que lá está escrito, lágrimas rolam de seus olhos já cansados, desgastados pelo tempo, e um sorriso é desenhado em seu rosto. A vida lhe reservou tudo aquilo que reserva para os que se entregam de corpo e alma para a agridoce tarefa de existir. Seu marido partiu cedo; ficaram-lhe um carro velho, um casarão e a paixão por escrever.

Cecília adorava Arte, fazia da música uma de suas melhores distrações, depois de escrever - quase sempre o que observava do movimento na rua era motivo de páginas e mais páginas de histórias -, e sonhava em ter filhos. Como casou muito cedo e logo ficou viúva, esse sonho não pôde ser realizado e ela também não insistiu - naquele tempo não era assim tão fácil casar mais de uma vez.

Com dezessete anos, seus pais entregaram-na nas mãos de um rapaz não tão jovem, mas de boas condições e imaculada reputação. Moços assim não eram fáceis de se encontrar e não se podia esnobar uma oportunidade dessas. Casaram-se às pressas, como quem casa para esconder gravidez. Sete anos depois, inesperadamente, a notícia: seu marido havia falecido em um acidente. Dois homens dirigindo em alta velocidade; o carro capotou. Foi fatal.

Sua experiência, apesar de pouca idade, ensinou-lhe que sua vida poderia ser levada adiante mesmo sozinha. Seus pais não eram mais o alicerce de que, antes, ela foi completamente dependente e, então, ela deu continuidade ao que tinha sido iniciado. Escreveu como nunca antes, relatou todos os seus dias nas páginas de seu diário e ouviu Sebastian Bach com frequência. Era um de seus prediletos.

Sua real intenção ao escrever diariamente, como deixou registrado em um de seus relatos, era a de que, em algum dia após sua morte, seus escritos fossem encontrados e publicados, para que seus pensamentos fossem mantidos vivos e ecoassem pela eternidade. Eis que assim o faço, a seu pedido. Cecília partiu há três meses. Aos oitenta e poucos anos sentiu enorme saudade de seus tempos de menina e pediu para que não deixássemos passar em branco o nosso tempo. Foi em paz.

26 de fevereiro de 2011

Flor

Pela janela do meu quarto
Eu vejo ela, eu vejo aquela
Aquela que traz alegria

Eu vejo amor,
eu vejo dor
Essa disritmia

Eu vejo a flor
Dos olhos teus
Eu vejo o tempo
Que é meu e seu

A amada rosa,
Da bela prosa
Do amor bonito

Do sol que brilha
Poesia que grita
Do rumo indefinido

Da flor que brota em sua janela
Da saudade que eu sinto dela

Eu vejo amor, eu vejo dor
Eu vejo do quarto
Pela minha janela...

25 de fevereiro de 2011

Descrevem-me

Raisa Moreno descreve-me: "Você fica meio em cima do muro quando tem de falar de alguém que está mudando, como Lorena. Acho que se eu a tivesse conhecido hoje, me apegaria logo. Há alguns meses atrás ela era “um saco”, chata pra caramba (e bote “pra caramba”!) e, por conta disso, não gostei dela facilmente. No fim das contas valeu muito a pena o sacrifício de ter convivido somente com seus defeitos no início de nossa relação. Em meio aos seus desaforos, irritação e chatices, eu fui conhecendo o que ela tem de cativante. Essa menina era (e ainda é) inflexível, contudo é uma boa ouvinte. Mesmo correndo o risco d’eu escutar uma opinião que nem esteja querendo ouvir, conto-lhe as coisas só pelo fato de encontrar neste ser que vos descrevo alguém para prestar atenção e topar, na maioria das vezes, dialogar longamente sobre tais. Ah, ela é muito confiável também, tenha certeza.
Precisa de alguém sincero? Procure Lore. Ela já me confessou não gostar muito dessa franqueza, mas, se quer saber, acho isso extremamente foda em alguém! Essa característica é uma das coisas que me fazem admirar e gostar da pessoa que ela é. Quando se trata de diversão, minha amiga pode ser tanto cúmplice quanto alvo. Se juntar eu, Pedro, Thaís, Thiciane e, às vezes João pra “gastar na dela”, a bichinha sofre, mas sabe nos relevar quase sempre. E vai relevar quando eu disser “Lore, gostosa, te amo” no texto. Mas não vá achando que você pode dizer o que quiser a ela, não. Ou diga, caso queira correr o risco de perder sua amizade e levar uns desaforos pra casa. Fala pra cacete, mas tem um papo legal. Ela é uma pessoa de palavra. Se falou que vai fazer, faz mesmo. Nunca promete as coisas levianamente e como eu admiro isso nela. Um conselho: leia as outras postagens deste blog, pois com certeza elas são melhores, mais bem escritas e prazerosas de ler; a autora tem o dom de escrever divinamente bem. Por essas e outras eu prezo quem Lorena Carvalho é e faço questão de tê-la não só em minhas lembranças, mas também eu meu cotidiano."

Thiago Esquivel descreve-me: "O nome dela é Lorena Carvalho, uma menininha tímida e com um sorriso incomum. Um coração grandioso e uma fé de mover montanhas. Pequena, mas dona de um gosto e humor fora de série. Observação: Ela gosta de alguém, mas não quer falar!"

Thaís Carvalho descreve-me: "Lorena é a mescla de insuportável e bacana. Escreve e canta muito bem. Pessoa de compra-fácil de briga. Eu não sei onde estava com a cabeça quando deixei que ela me cativasse. Deixei? Não sei, sei que agora ela é eternamente responsável por mim. rs"
 

 
- Rai, muito obrigada! Seu texto foi muitíssimo bem escrito e eu sei que você sabe disso.
- Muito obrigada, Esquivel! Foram poucas palavras, mas você foi claro e objetivo, como sempre. <3
- Thai, muito obrigada (também pelo elogio)! Espero que eu tenha mesmo lhe cativado, pois a recíproca é verdadeira.

11 de setembro de 2010

Algodão

Com você aqui, ali, acolá.
O sol nasce mais bonito,
Os pássaros põem-se a cantar.

Com você, estrada não é estrada,
é mar, é céu, travesseiro.
É nuvem. De algodão.

Distância não existe,
barulho é melodia,
mas com você,
só com você.
Se fosse outro, meu bem,
Já não seria.

12 de fevereiro de 2010

Procura-se a Resposta e Novos Horizontes


Nota: "Bartolomeu Dias, 31anos, morador da pequena cidade de Neurolândia, encontra-se desaparecido há cinco dias. Sua família diz que está desesperada e que aguarda ansiosamente pela sua chegada. O indivíduo deixou mulher e oito filhos para trás e, segundo sua família, não há motivos que possam explicar o seu desaparecimento". É aí que entra na história um tal de Orlando Arlindo, muito amigo do sumido Bartolomeu. Ele sabe muito bem que seu amigo não volta porque não tem vontade. Foi-se embora porque quis e nem saber dos filhos quer. Da esposa nem se lembra mais. Esqueceu a velha vida e já pensa em construir uma nova, ao lado de um outro alguém. Cinco anos já se passaram. A família de Bartolomeu, que já perdeu as esperanças, agora sofre e permanece de luto. Deram Bartolomeu por falecido e até enterro sem o corpo pensaram em fazer, pra tentar, de alguma maneira, honrar o, para eles, morto. Orlando Arlindo, vendo o sofrimento da família de seu grande amigo, nem se comove. Ele é amigo do Bartolomeu, não de sua família. Enquanto sua (antiga) família sofre a dor de sua "morte", Bartolomeu se diverte com seus novos filhos e sua nova esposa. Dalva, João e José agora são sua nova família. Ele construiu uma nova vida, conseguiu olhar para novos horizontes e se libertar daquilo que pra ele tinha se tornado cansativo e angustiante. Dalva, agora sua esposa, sabe do acontecido e também não dá importância. Para ela, enquanto Bartolomeu colocasse comida na mesa de casa, tudo estava bem. O que ela não sabia, e que nem mesmo ele, Bartolomeu, não tinha conhecimento, era que ele sofria de perda de memória e que a cada vez que ele esquecia de tudo, ele fugia e saia em busca de outra "nova vida". O homem tinha pra lá de quinze filhos, e de todos esqueceu. Com certeza já estava pra chegar a hora de João e José. E de Dalva também, claro. Mas, pensem bem, Bartô não tinha culpa. Era inocente, coitado. Quando esquecia tudo, não respondia por seus atos. Talvez você não entenda. Psicólogos entederiam. Na verdade, o que deve se passar na cabeça de Bartolomeu é que sempre há uma nova chance de recomeçar. Chegou, então, o dia que Bartô esqueceu-se de Dalva e de seus meninos. Partiu em retirada, sem rumo e sem destino. Sem dizer um "até logo", sem olhar pra seus meninos. João e José sofreram muito, pois o amavam demais. Mas, lá no fundo, eles sabiam do problema do pai. Depois de um longo tempo, se conformaram e nem o procuraram mais. Pensaram que ele tivesse se cansado deles e que foi procurar um novo lar. Mas Bartolomeu não fez nada disso, exatamente. Aconteceu que no meio do caminho, ele encontrou um doutor, um quase psicólogo. É, um quase... porque ele não tinha diploma. Aliás, ele nem tinha estudado. Só disse que era um "doutor quase psicólogo", só isso. Bartolomeu parou e o escutou. Ficaram trocando ideias durante muito tempo. Anoiteceu e eles não se deram conta. Bartô, que tinha esquecido quem era, de onde veio e o que estava indo fazer, resolveu ficar por ali, ouvindo a prosa de seu novo amigo. O doutorzinho, que era mendigo, louco e sofria do mesmo mal que Bartô, disse que, como ele não sabia mais de nada, ele podia continuar por ali, e, se fosse de sua vontade, poderia morar também. Eram dois bancos de praça, apenas. Mas dois belos bancos, para ele. Bartolomeu aceitou sua proposta, e dentro dele havia uma felicidade sem tamanho. Não constituiu nova família, das outras nunca se lembrou, e aquele banco, cedido pelo seu mais novo companheiro, seria o seu novo e aconchegante lar, até um outro possível esquecimento.

Incomum

Um frio, uma súplica, e um homem solitário, mendigando um aconchego. Pede amor, pede atenção, pede carinho. Implora que o olhem, que o observem. Implora um pouco de atenção. Mas é "dia de branco". Tem barulho, desordem, trabalho, confusão. E poucos têm tempo para se compadecer. O homem, coitado... começa a observar os que o cercam. E começa a perceber o que há de sobra em muitos. Levantou-se, caminhou e começou a reparar atenciosamente. Reparar na ambição, nas pessoas, nas faces. Seus rostos apáticos expressivos a sentimentos alheios, sensação incomum e fugaz sentirá naquele momento. Via a angústia, sentia a pressão, sabia que aquele não era seu lugar, não queria isso... Saiu, correu de tudo aquilo que o rodeava. Andando pelas ruas, começará a enxergar aquilo que não via, ou simplesmente fingia que não existia. Era um novo homem, ou pelo menos achava isso. Era apenas mais um cheio da monotonia que o rodeava... Era apenas mais um cego na cidade, que enxergava só o que queria ver.

Lorena Carvalho e Pedro Braz.

31 de outubro de 2009

Da minha precoce nostalgia

Por Maria Sanz Martins 

"Quando eu for bem velhinha, espero receber a graça de, num dia de domingo, me sentar na poltrona da biblioteca e, bebendo um cálice de Porto, dizer à minha neta: 
- Querida, venha cá. Feche a porta com cuidado e sente-se aqui ao meu lado. Tenho umas coisas pra te contar. 
E assim, dizer apontando o indicador para o alto: 
- O nome disso não é conselho, isso se chama corroboração!
Eu vivi, ensinei, aprendi, caí, levantei e cheguei a algumas conclusões. E agora, do alto dos meus 82 anos, com os ossos frágeis, a pele mole e os cabelos brancos, minha alma é o que me resta saudável e forte. 
Por isso, vou colocar mais ou menos assim: 
É preciso coragem para ser feliz. Seja valente. 
Siga sempre seu coração. Para onde ele for, seu sangue, suas veias e seus olhos também irão. E satisfaça seus desejos. Esse é seu direito e obrigação. 
Entenda que o tempo é um paciente professor que irá te fazer crescer, mas escolha entre ser uma grande menina ou uma menina grande, vai depender só de você. 
Tenha poucos e bons amigos. Tenha filhos. Tenha um jardim.
Aproveite sua casa, mas vá a Fernando de Noronha, Rio de Janeiro, a Barcelona e a Austrália. Cuide bem dos seus dentes. Experimente, mude, corte os cabelos. Ame. Ame pra valer, mesmo que ele seja o carteiro. 
Não corra o risco de envelhecer dizendo "ah, se eu tivesse feito..." 
Tenha uma vida rica de vida. Vai que o carteiro ganha na loteria - tudo é possível, e o futuro é imprevisível. 
Viva romances de cinema, contos de fada e casos de novela.
E tome conta sempre da sua reputação, ela é um bem inestimável. Porque sim, as pessoas comentam, reparam, e se você der chance elas inventam também detalhes desnecessários. 
Se for se casar, faça por amor. Não faça por segurança, carinho ou status. A sabedoria convencional recomenda que você se case com alguém parecido com você, mas isso pode ser um saco! Prefira a recomendação da natureza, que com a justificativa de aperfeiçoar os genes na reprodução, sugere que você procure alguém diferente de você. Mas para ter sucesso nessa questão, acredite no olfato e desconfie da visão. É o seu nariz quem diz a verdade quando o assunto é paixão. 
Faça do fogão, do pente, da caneta, do papel e do armário, seus instrumentos de criação. Leia. Pinte, desenhe, escreva. E por favor, dance, dance, dance até o fim, se não por você, o faça por mim. 
Compreenda seus pais. Eles te amam para além da sua imaginação, sempre fizeram o melhor que puderam, e sempre farão. Cultive os amigos. Eles são a natureza ao nosso favor e uma das formas mais raras de amor. 
Não cultive as mágoas - porque se tem uma coisa que eu aprendi nessa vida é que um único pontinho preto num oceano branco deixa tudo cinza. 
Era só isso minha querida. Agora é a sua vez. Por favor, encha mais uma vez minha taça e me conte: como vai você?"